A prática de saúde baseada em Evidências, conhecido como PSBE, pode fazer parte do nosso dia a dia para melhorar a assistência aos nossos pacientes.
Hoje em dia temos muitos dilemas dentro da nossa prática profissional. Muita informação disponível, mas nem sempre informação é conhecimento realmente válido, importante e útil. Precisamos aprender a analisar essas evidências e otimizar nosso tempo, selecionando as melhores.
Sem falar que vivemos numa verdadeira epidemia de diagnósticos excessivos, acompanhados por tratamentos sem benefícios comprovados, numa cultura de consumismo crescente que faz girar um “mercado” da saúde. Precisamos saber nos posicionar diante de tudo isso.
E a prática de saúde baseada em Evidências nos ensina critérios para fazer essa avaliação de forma segura.Se pudéssemos definir o objetivo do PSBE seria: utilizar “a melhor evidência científica disponível no cuidado dos pacientes”.
Para isso, precisamos ter uma postura pró-ativa diante do nosso paciente, admitindo as nossas incertezas, nossas dúvidas clínicas, desenvolver a habilidade na busca, análise crítica e na capacidade da síntese do conjunto das evidências. Esse é o conhecimento que realmente importa para o paciente. Mas nada disso faz sentido se não unirmos à experiência clínica do profissional e aos valores, preferências e expectativas dos pacientes.
Poderíamos citar dois conceitos que são importantes para incorporar o PSBE na nossa prática: um é o de pergunta clínica e outro seria desfecho.
A pergunta é por onde começamos nossa busca pelo conhecimento e os desfechos são o que nos orientam para a tomada de decisão. Precisamos conhecer bem essas duas definições para nos guiarmos com precisão e acerto.
Por tanto, uma pergunta clínica é diferente daquela pergunta básica que é relacionada com conceitos já consolidados, básicos que estão lá nos livros textos sobre fisiopatologia, por exemplo, enquanto a pergunta clínica é aquela que surge do encontro clínico com o paciente.
A pergunta clínica é a que determina a nossa escolha ou conduta, como por exemplo se prescrevo um antibiótico ou um sintomático para uma criança com amigdalite. Para respondê-la, preciso estar a tom com o que há de mais novo em evidências, e não vou encontrar nos livros textos que desatualizam com facilidade. E sim nos artigos publicados mais recentemente. Para facilitar a nossa busca por esses artigos, podemos estruturar a pergunta no que chamamos de pergunta PICO, determinando a população, a intervenção, a comparação e os desfechos.
E dai vem o segundo conceito sobre desfecho. O que realmente importa como resultado para o o paciente são conhecidos como desfechos clínicos, objetivos, que impactam na morbidade ou mortalidade. Taxas de internação, intensidade da dor ou gravidade dos sintomas, efeitos colaterais são exemplos de desfechos clínicos.
Um aumento de um exame laboratorial nem sempre impacta diretamente na qualidade de vida do paciente e são considerados desfechos substitutos, que podem ser úteis, por serem mais fáceis de estudar ou quantificar, mas nem sempre são os melhores para nossa tomada de decisão. Nessa hora, podemos cair nas ciladas dos artigos científicos. Ficamos impressionados com um tratamento que reduziu os níveis de transaminases de um paciente, mas na prática, não impactou em nenhuma mudança em sua vida.
Temos que ter uma visão critica e cética desses desfechos, para sabermos analisar o real impacto do efeito de um tratamento, por exemplo. Essa habilidade deve e pode ser treinada.
Bem, mas como realmente colocar isso tudo na prática e buscar a melhor evidência?
A prática de Saúde Baseada em Evidências nos apresenta ferramentas para uma busca apropriada dessa melhor evidência. Ilustrada numa pirâmide, a pirâmide das evidências, em cuja base estão os estudos primários, segue acima desses, as revisões sistemáticas e metanalises. E o interessante, é que usando essas ferramentas, vamos analisando as evidências e classificando-as de acordo com sua qualidade e utilidade.
Há vários bancos de dados, geralmente vinculados a grandes universidades do mundo, que pré-analisam essas evidências e consolidam em sinopses, sínteses e sumários. Estes estão no topo da qualidade dessa pirâmide. Exemplos de sínteses conhecidas é a colaboração Cochrane, e de sumários são o UPTDADE e o DYNAMED. Neles, os revisores e autores consolidam o que há de melhor das evidências e nos apresentam de forma crítica, para que possam nos auxiliar na tomada de decisão para o nosso paciente. Temos que aprender a fazer bom uso desses recursos.
E a prática de Saúde Baseada em Evidências pode nos guiar no uso assertivo de antibióticos na pediatria?
Essa é um ótimo exemplo da aplicabilidade do PSBE. Não só a saber qual antibiótico usar para cada infecção, mas também a aprimorar o diagnóstico, a usar mais criteriosamente os exames complementares de imagem ou laboratoriais, para então chegar na decisão do tratamento, que pode até ser atrasar o início do antibiótico ou nem iniciá-lo.
Tomemos como exemplo a otite média aguda. Desde o exame físico, o PSBE pode auxiliar me mostrando que um abaulamento da membrana timpânica tem uma razão de verossimilhança, que chamamos de likelirood ratio muito mais alto e correlacionado com uma otite bacteriana do que somente a hiperemia dessa membrana. O likelirood ratio positivo é a probabilidade pré teste de um sinal ou exame estar verdadeiramente correlacionado com a doença.
Sendo assim, evitamos o uso de antibiótico se sabemos interpretar essa informação. Assim como, se temos disponível um teste rápido para estreptococos, podemos fazer um diagnóstico mais acurado de amigdalite estrepetocóccica.
E quando decidirmos por um antibiótico, os sumários apresentam estudos demostrando redução de tempo de duração do tratamento, de taxas de complicações, o que nos trará mais segurança para fazer uso de cursos curtos e assertivos.
Fonte: Users’ Guides to the Medical Literature: A Manual for Evidence-Based Clinical Practice, 3rd ed Eds. Gordon Guyatt, et al. McGraw Hill, 2015,
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